oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Sunday, November 08, 2009

TRAGÉDIA


Diz-me a oliveira que, quando crescer, quer ser uma oliveira.

Desconfio que ouviu os rumores que se espalharam, desconfiando da sua oliveirice (a minha oliveira não se parece, de facto, com uma oliveira, mas A Menina Que Foi Eu E Que Eu Serei garantiu-me que, à altura do registo, a deram como oliveira - brava ou mansa, não se recorda).

De todo o modo, a minha oliveira, a oliveira da eurídice, parece determinada em ser uma oliveira, em crescer oliveira, em ser doce e inquisitória oliveira do quintal da eurídice, do meu quintal.

Voltei para dentro, convicta de que ela sabe, de saber sabido, que estou eu mais assustada que ela com este ser e não ser. Não sabia que ia ter uma oliveira shakespeariana, hamletiana. Terei, porventura, julgado que ia ser a única tragédia literária nesta casa. A ingenuidade tem destas coisas e pasmo-me quando percebo, ao desligar a luz do quintal, que ser oliveira pode ser tão complicado como ser eurídice. E dou por mim a querer ser oliveira, também.

Wednesday, October 21, 2009

SECA


Dadas as condições atmosféricas, a oliveira dispensou-me da tarefa de regador para os próximos tempos. E confessou-me um certo enjoo, já. Da janela, perguntei-lhe se queria alguma coisa para ler. 


"Um guia de plantas aquáticas é capaz de vir a dar-te jeito." disse-me. "Para mim, traz-me só a Teoria e Metodologia Literárias, do Aguiar e Silva. Talvez ajude a contrariar a humidade."


Uma escolha pertinente, achei. 
Lá a ver se não se arrepende. 

Sunday, October 11, 2009

DE INSPIRATIONIBUS EXPIRATIONIBUSQUE

Esqueci-me de regar
a minha oliveira.

Uma semana sem água.

"Já leste o Viagem à Roda do Meu Quarto? Experimenta lê-lo dentro de um vaso. Depois diz-me o que achas." disse-me.

Vou regá-la. Temo que nunca mais volte a ser o que era. A adolescência é complicada, também, para as oliveiras. E aqueles bichinhos no tanque intrigam-na sobremaneira; acha que é uma nova humanidade em embrião. Não tenho como contradizê-la.

Friday, October 09, 2009

MANJERICO

Percebi há uns dias que a oliveira dos meus olhos não compreendeu o manjerico-gate, em Junho passado.


O que se passou foi o seguinte: Comprei um manjerico, dos pequeninos. Gosto de comprar manjericos essencialmente porque gosto de regatear com as senhoras que vendem manjericos. Quando a senhora se recusou a regatear o preço do dito, na praça da figueira, antevi uma vida trágica para o pequenino, negado que lhe fora um direito de nascença. Como se tivesse nascido sem raminhos. E se não me falha a imaginação, jugo até ter ouvido as sagradas e agoirentas gaivotas voando em círculo por cima das nossas cabeças.

Trouxe o desgraçado para casa, convicta da alegria que uma nova companhia iria trazer à minha jovem oliveira. Ultimamente andava a oliveira acabrunhada, macambúzia, talvez pelo rebuliço instalado na casa, em pleno processo de pinturas, e nem o anjinho, de volta das tintas no quintal, parecia fazê-la arrebitar.

Pois que ao cabo de uns dias de convivência entre ambas a espécie floral e arbórea, chego a casa para encontrar o destino consumado: o manjerico caído no chão, o vaso partido, terra e folhas espraiadas pelo frio da tijoleira.

"Que se passou?" pergunto à oliveira.

"Não aguentou a pressão" respondeu-me. "Já manjerico não sou!" foi o que ele disse, antes de se mandar do parapeito da janela."

Foi este o relato do sucedido segundo a minha oliveira. "Os manjericos são muito frágeis, pá! Não se lhes pode dizer nada."


Não pude discordar. Os manjericos são, efectivamente, frágeis. Até hoje não sei o que ela terá dito ao pobre do manjerico; sei, porém, que não voltei a comprar-lhe um manjerico e que não tem sido fácil arranjar-lhe uma companhia. Hoje, 4 meses decorridos de tão negro dia, preparo-me para regar aquele pé de feijão, quando oiço


"Então e o manjerico?"


"Que tem o manjerico?" olho para trás, desviando a atenção dos minúsculos animais que se desenvolveram na água estagnada do meu tanque (outra história, para depois).


"Onde anda esse manel? Nunca mais o vi. Mandou-se do parapeito sem ai nem ui, eu aqui tão quietinha que não lhe fiz mal nenhum e nunca mais disse nada"


"O manjerico morreu." respondi, com o sobrolho meio franzido de incrédula que estava com a pergunta.


"Sim, já me tinhas dito, mas onde anda ele? Porque é que nunca mais voltou?" Também te zangaste com o manjerico? És de gancho, também" Foi aqui que comecei a ficar preocupada.



A minha oliveira não percebeu o que se passou.


E não vou ser eu a explicar-lhe, que dada à melancolia já ela é. Sobretudo agora, que anda de amizades com as couves da vizinha de cima.

Monday, September 07, 2009

12 COISAS DE QUE A MINHA OLIVEIRA GOSTA

1. água da chuva
2. banhos de mangueira
3. moscardos que andaram na sorbonne
4. a planta narcoléptica do vaso à sua direita
5. o sol de setembro
6. O Arranca-Corações
7. as aranhas velhas d'O Partido que fizeram teia nos penúltimos ramos a contar de baixo
8. conversa ao fim da tarde. Acontece-lhe muita coisa durante o dia.
9. fotossíntese
10. vasos grandes com vista para o rio
11. o Verão na nossa rua.
12. a barba do Anjinho

Sunday, May 17, 2009

CIENTIFICIDADES ALHEIAS A UMA OLIVEIRA

Pois que me disse a minha oliveira uma destas manhãs (parece que ela gosta mais das manhãs para estas coisas) que não percebia isso de estudos literários nem tinha grande certeza do que queriam exactamente aqueles senhores todorovs nem bakhtins nem tampouco marias vitalinas. E disse ainda que o que lhe parecia a ela, oliveira da eurídice, era que andava muita gente, demasiada gente, inconformada, triste e envergonhada, até, talvez, com o facto de andarem muitos anos em escolas e colégios e universidades a estudar uma coisa que, para todos eles, tinha tão pouca importância, que decidiram tentar torná-la científica.

Ora isto não deixou de me fazer certa espécie, comichão na coluna, impressão no calcanhar.

Na verdade, parece-me que todorovs e bakhtins nunca ensinaram ninguém a escrever. Perceber o que estava escrito, as palavras, os sentidos, os batuques dos ritmos no estômago, sentir náusea, afecto e puro aborrecimento são coisas de quem lê, com ou sem estruturalismo tristemente amarfanhado num canto do cérebro que guarda tais pérolas. "Ler e escrever é para quem quer e para quem sabe por cima do querer.", disse-me ela.

Arrumei o regador. Não sou cientista das letras. Não há ciência nas letras. A literatura é uma coisa que acontece, como a fotosíntese, mas ninguém gosta da fotosíntese nem ninguém a recomenda a um amigo nem paga €25 por ela. E ninguém é cientista por conseguir ler um livro.
Não é triste nem é de gente burra ir para letras. Se é mais fácil, não faço ideia. Para mim, foi! Era melhor se assumissemos todos que enquadrar a obra no contexto político social não é bem a mesma coisa que dividir um átomo (para começar, a Humanidade não acaba quando contextualizamos uma obra), digamos que parece menos exigente. A mim. parece-me. Mas de certeza que quem quer dividir um átomo não leu o suficiente quando era criança para saber que isso também não é muito importante.

Um livro para todos!
Para todos um livro!

(a oliveira da eurídice gostou d' As Aventuras do João Sem Medo. Ela acha que, acima de tudo, é um livro com perspectiva. Óptimo para quem não a tem.)

Friday, May 08, 2009

Um Quintal Para Todos Para Todos Um Quintal

Porque as oliveiras também têm coisa para dizer ao mundo. Porque as oliveiras também sentem medo e frio e sede e tristeza. Porque as oliveiras também se apaixonam, se perdem, se sentam e dão muitas gralhas a escrever e sentem por vezes alguma vergonha com isso. Porque uma oliveira anseia por mais oliveiras num quintal cheio de plantas de uma família antiga que ali as deixou há mais de 100 anos, ainda o Anjinho não era nascido. Porque uma oliveira gosta do seu quintal e do seu vaso, do Sol e da Chuva, das aranhas e das osgas. Porque uma oliveira cresce, sozinha, até ultrapassar a corda da roupa e não pretende ficar-se por aí. Porque uma oliveira dá azeitonas, faz sombra e traz bicharocos. Porque oliveiras há muitas, mas esta é a oliveira da eurídice. E a eurídice é desta oliveira. Oliveiras deste mundo, uni-vos! Um quintal para todos! Para todos um quintal!