oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Wednesday, October 21, 2009

SECA


Dadas as condições atmosféricas, a oliveira dispensou-me da tarefa de regador para os próximos tempos. E confessou-me um certo enjoo, já. Da janela, perguntei-lhe se queria alguma coisa para ler. 


"Um guia de plantas aquáticas é capaz de vir a dar-te jeito." disse-me. "Para mim, traz-me só a Teoria e Metodologia Literárias, do Aguiar e Silva. Talvez ajude a contrariar a humidade."


Uma escolha pertinente, achei. 
Lá a ver se não se arrepende. 

Sunday, October 11, 2009

DE INSPIRATIONIBUS EXPIRATIONIBUSQUE

Esqueci-me de regar
a minha oliveira.

Uma semana sem água.

"Já leste o Viagem à Roda do Meu Quarto? Experimenta lê-lo dentro de um vaso. Depois diz-me o que achas." disse-me.

Vou regá-la. Temo que nunca mais volte a ser o que era. A adolescência é complicada, também, para as oliveiras. E aqueles bichinhos no tanque intrigam-na sobremaneira; acha que é uma nova humanidade em embrião. Não tenho como contradizê-la.

Friday, October 09, 2009

MANJERICO

Percebi há uns dias que a oliveira dos meus olhos não compreendeu o manjerico-gate, em Junho passado.


O que se passou foi o seguinte: Comprei um manjerico, dos pequeninos. Gosto de comprar manjericos essencialmente porque gosto de regatear com as senhoras que vendem manjericos. Quando a senhora se recusou a regatear o preço do dito, na praça da figueira, antevi uma vida trágica para o pequenino, negado que lhe fora um direito de nascença. Como se tivesse nascido sem raminhos. E se não me falha a imaginação, jugo até ter ouvido as sagradas e agoirentas gaivotas voando em círculo por cima das nossas cabeças.

Trouxe o desgraçado para casa, convicta da alegria que uma nova companhia iria trazer à minha jovem oliveira. Ultimamente andava a oliveira acabrunhada, macambúzia, talvez pelo rebuliço instalado na casa, em pleno processo de pinturas, e nem o anjinho, de volta das tintas no quintal, parecia fazê-la arrebitar.

Pois que ao cabo de uns dias de convivência entre ambas a espécie floral e arbórea, chego a casa para encontrar o destino consumado: o manjerico caído no chão, o vaso partido, terra e folhas espraiadas pelo frio da tijoleira.

"Que se passou?" pergunto à oliveira.

"Não aguentou a pressão" respondeu-me. "Já manjerico não sou!" foi o que ele disse, antes de se mandar do parapeito da janela."

Foi este o relato do sucedido segundo a minha oliveira. "Os manjericos são muito frágeis, pá! Não se lhes pode dizer nada."


Não pude discordar. Os manjericos são, efectivamente, frágeis. Até hoje não sei o que ela terá dito ao pobre do manjerico; sei, porém, que não voltei a comprar-lhe um manjerico e que não tem sido fácil arranjar-lhe uma companhia. Hoje, 4 meses decorridos de tão negro dia, preparo-me para regar aquele pé de feijão, quando oiço


"Então e o manjerico?"


"Que tem o manjerico?" olho para trás, desviando a atenção dos minúsculos animais que se desenvolveram na água estagnada do meu tanque (outra história, para depois).


"Onde anda esse manel? Nunca mais o vi. Mandou-se do parapeito sem ai nem ui, eu aqui tão quietinha que não lhe fiz mal nenhum e nunca mais disse nada"


"O manjerico morreu." respondi, com o sobrolho meio franzido de incrédula que estava com a pergunta.


"Sim, já me tinhas dito, mas onde anda ele? Porque é que nunca mais voltou?" Também te zangaste com o manjerico? És de gancho, também" Foi aqui que comecei a ficar preocupada.



A minha oliveira não percebeu o que se passou.


E não vou ser eu a explicar-lhe, que dada à melancolia já ela é. Sobretudo agora, que anda de amizades com as couves da vizinha de cima.