oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Tuesday, May 25, 2010

SEM MEDO


disse-me a oliveira.


- Mas não é um blogue político, oliveira. Já sabes depois como é, as pessoas falam, dizem coisas, não compreendem, ficas triste.
- Isso é problema meu. Além disso, tudo é política hoje em dia e eu não tenho medo de ninguém e defendo os meus ideais e luto por aquilo que acho justo e contra o que é injusto e este é o meu quintal e o meu blogue e já quase não choro quando leio os bichos do Torga. E se pusesses o computador aqui à janela nem precisava de te pedir isto. 
- Só estou a tentar explicar-te que já cá ando há mais tempo que tu e sei do que falo. Não quero ver-te triste e...
- Então não tenhas medo que eu também não.





On sera pas completement hypochrites.

Thursday, May 20, 2010

A OLIVEIRA ESTÁ A LER



" Eu não sou um marginal, porra.
          Sou um senhor."


"- E agora, Luiz?
 - Isto está visto. Isto está visto.
 - E valeu a pena?
 - Se valeu a pena?!... O que é que eu posso dizer a isso?...Foi como foi."


E recomenda.

Wednesday, May 19, 2010

NESTE QUINTAL

- ... neste mesmo quintal onde estão agora, já houve galinhas. E coelhos. Mas esta história é com galinhas.

Noites quentes são boas para passar o serão na palheta com a minha oliveira. Ia explicar-lhe a teoria da relatividade, levava um pacote de bolachas maria torrada e um balde com água fresquinha, uma limonada para mim... e oiço vozes, uma grande galhofa na verdade.








- Não havia coelhos nenhuns! - dizia o Sapo
- Como eu estava a dizer, senhor Sapo, esta história é com galinhas. Com uma galinha em particular - continuou a Dona Violeta.
- Galinhas havia, lá isso é verdade. 

Aqui decidi pousar o balde com água. Começava a pesar e a história prometia. Puxei um banco e fiquei à janela.

- Estávamos em mil nove e cinquentas, vivia aqui uma senhora com o Anjinho. Era a Dona Emília. Pelava-me de medo dela, que não tinha medo de nada nem de ninguém e tinha como única preocupação o Anjinho. Nunca me aproximei do Anjinho, como calculam; havia vassouras e a senhora era de um porte respeitável.

A Dona Violeta parou uns segundos com um tique nervoso no olho enquanto repetia "vassouras" entredentes. Respirou fundo e retomou a história:

- Para além do Anjinho, tinha grande adoração pela galinha de estimação, que estava na capoeira grande, ao canto. E um dia, a galinha adoeceu. Não punha ovos, andava acabrunhada, meio cá meio lá. A Dona Emília decidiu então fazer o que se fazia sempre que alguém cá em casa ficava doente - telefonar ao Gualter.
- O da Rua Sésamo? 
- Ó criatura, mas quem és tu? Aí empoleirada na Aurora, olha que ainda cais, que ela não anda bem. 
- Eu sou a boneca de pano da eurídice. Estava muito frio lá dentro e o Artaxerxes convidou-me para o quintal.
- O Senhor Artaxerxes também não pode ver um rabo de saias, não é? - replicou a Dona Paciência de dentro
- E a Dona Paciência sempre é muito quadrilheira.

 - Não, não era o Gualter da Rua Sésamo, que modernices mais tontas. Esse era um boneco, filha, não era a sério. Esta juventude, palavra que não sei o que andam a aprender na escola - respondeu, indignadíssima, a Dona Violeta.
- Julguei...
- Julgou mal. Mas continuando: a galinha ficou doente e sem galinha é que a Dona Emília não ficava, que esta dava uns ovos que eram uma maravilha. Telefonou-se para o Gualter, que era médico e já tinha tratado o Anjinho, e o Gualter percebe que a galinha tinha de ser operada. A Dona Emília arregaça as mangas, esteriliza uma navalha, emborracha o bicho (e o quintal inteiro, na verdade. Foi uma noite tão animada!) e, ao telefone com o Gualter que lhe ia dando indicações, abre a galinha pelo bucho com precisão cirúrgica e extirpa-lhe o mal.
- A Dona Emília operou a galinha?! 
- Sozinha?
- Não acredito!
- Pois acreditem, pequenada, que é bem verdade. Apesar de meio zonza, vi tudo pelo vidro da porta da cozinha. A minha mãezinha, que Deus a tenha em paz e sossego, dizia-me que nunca tinha visto tal coisa e finou-se pouco depois, acho que de pasmo.

- Ó Dona Violeta - dizia a oliveira - tem mesmo a certeza que isso foi assim que se passou? A eurídice nunca me contou nada e ela conta-me sempre tudo.
- Filha, vi eu, com estes dois que a terra há-de comer! Ia agora enganar-te?! Se não te contou é porque não sabe, ora! Além disso, era o Anjinho ainda pequenino. Eu cá não o achava Anjinho nenhum. Diabo Negro era o que ela era, a espantar-me o almoço todos os dias aqui a correr de um lado para o outro. Não havia mosca que assentasse.

- Então e a galinha? - pergunta a boneca de trapos da eurídice empoleirada na Aurora.
- A galinha, pois que sobreviveu. A Dona Emília coseu-a e pô-la a convalescer debaixo da chaminé (isto está muito mudado, já não há chaminé nenhuma, é uma pena), acordou da delicadíssima intervenção cirúrgica e ainda pôs ovos durante um ror de anos - concluiu a Dona Violeta.
- Impressionante! - espantava-se a minha oliveira.
- Uma grande mulher, a Dona Emília - lembrou a Dona Violeta. - Uma grande mulher! Ainda lhe guardo saudade, apesar de tudo.

Ali ficaram mais um bocadinho e, quando me levantava para ir à minha vida, ouvi perguntar:

- E essa galinha, onde andará? Nunca a vi por aqui.
- O Anjinho sempre gostou muito de canja...  - rematou a osga.