oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Tuesday, September 21, 2010

ELE HÁ DIAS

eu sou a pinguim da pastinha. 










em que uma pessoa lá vai. Acorda e lá vai. Onde vai, nem a própria sabe.
Põe uma fruta e um iogurte na mala, agarra nas resmas de papel que a perseguem para onde quer que vá (até porque é ela quem insiste andar com o estaminé para trás e para a frente), diz até já à oliveira, suplica à Aurora que não tente voltar a sair do vaso (ainda se ela apanhasse a terra que espalha no processo...), sussurra às proto-nespereiras que vai correr tudo bem, que agora está encoberto mas que o céu vai abrir não tarda, deixa as bolachas-maria ao pé do teodoro, e lá vai.

E neste ir - lá -  que demora, uma atroz e inexpugnável sensação de inércia apodera-se da nossa ida. Mas lá vamos, tentando não pensar muito nem no lá nem na ida.

E depois de ir, atravessa-me o fui: "E se a Aurora for até ao fundo do quintal e não conseguir voltar? E a Violeta, que foi ver a prima ao 54. Ando preocupada com ela. O quintal cheio de mosquitos e a criatura nem lhes toca. Será que perdeu o apetite? Estará doente? Será que pus água suficiente no prato da oliveira? Tenho de comprar um vaso para as nespereiras, que elas crescem a olhos vistos e precisam de espaço."

Quando regresso, já é tarde e o quintal dorme. A oliveira dorme pouco, conta-me como foi o dia, diz-me que aquela terra toda espalhada não foi a Autora, que ela hoje até ficou no vaso a desenhar bigodes nas noivas do catálogo de vestidos de noiva que vem anunciado no jornal que deixaste debaixo do vaso das nespereiras. Pergunto-lhe pela Violeta, se sabe d'alguma coisa...
- Anda um bocadinho em baixo. O sargento faria anos amanhã. Não sei quantos, ela não disse.

Tiro-lhe umas folhas secas dos ramos mais altos, ela agradece; pergunto-lhe se quer alguma coisa para ler e responde que não é preciso, que ainda não acabou o Benito Prada. 


- Quando tens férias outra vez? - perguntou, baixinho, para não acordar a Aurora.

4 comments:

Anonymous said...

Dizia um aviso aos incauto que “Há mar e mar. Há ir e voltar” ao que acrescentaria “Há papéis para cuidar mas às vezes apetece rasgar”.

olobobom

APS said...

O princípio, é o que eu chamo: ir em piloto automático - que só faz bem à mente.
Quanto ao resto, magnífico, como sempre.

oliveira da eurídice said...

"I'm the master of my ship"
O piloto automático está para os capitães como o vídeo para a estrela de rádio. Mata. Pelo menos é o que dizia a música (Video killed the radio star, nos idos de 80's)
E um piloto automático dá muito trabalho: mais uma boca para alimentar, mais um que quer controlar o comando da televisão, mais espaço ocupado na cabeça. Só inconvenientes, esse senhor piloto automático. às vezes dá jeito, não digo que não. Quando for para saldo, talvez...

SombrArredia said...

:) Gosto do ritmo da tua prosa :)
bjins*