oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Saturday, March 20, 2010

ESTAVA AQUI A FALAR COM A VIOLETA


- Violeta?
- Sim, a osga que mora aqui debaixo do prato da água.
- Chama-se Violeta? Nao sabia que lhes davas nomes.
- Não lhe dei nome nenhum, é o nome dela. Olha que ela lembra-se bem de ti, todos os dias no quintal a mandar bolas à parede. Ainda tentou falar com A Menina Que Tu És E Que Tu Serás, mas sempre que a via, a senhora empunhava a vassoura e perseguia-a quintal fora. Desgraçada da criatura não sabia onde havia de se enfiar para ter um bocadinho de paz e fazer a tese - onde acabou por ter nota máxima com louvor e distinção, não que tenhas contribuído alguma coisa para isso.










- E sobre o que era a tese?
- Adopção de répteis e consequências socio-políticas da sua integração em quintais hostis.
- O meu quintal não é hostil!
- Agora não é. Mais ou menos. Podia ser melhor. A Violeta diz-me que isto não são condições de trabalho apropriadas a nenhuma espécie arbórea e que devia tomar conta dos meios de produção e tomar as instalações de assalto. A bem dos trabalhadores e da justiça social. 
- Mas tu não trabalhas, oliveira. Vamos lá a ver onde se meteu essa Dona Violeta, para falarmos sobre umas coisas.
- Está na hora de almoço. Diz no contrato que tem direito a uma hora de almoço. Sabes como é que ela te chama?
- Não sei, mas imagino. 
- Ela quer um vaso maior. Aliás, um prato maior.
- Desconfio que não há Dona Violeta nenhuma.
- Palavra que existe, eurídice. A hora de almoço dela deve estar a acabar, podes pergunta-lhe tu. Ali vem ela, a descer o muro.




E corri, como não corria desde os meus 6 anos. 



Saturday, March 06, 2010

MITOLOGIAS


Em cada divisão por que passávamos, o silêncio. 
Mudos e quedos - que nem os penedos - o Sapo e a Maria Paciência, que já se tinham manifestado contra a vinda do Teodoro assim sem terem sido tidos nem achados, fulminaram-me com o olhar.


- Artaxerxes... Que nome mais tolo! Deve saber muito de pianos, deve. E aquela roupa, que coisa mais disparatada. Achará por acaso que vai tomar o mundo a partir do quintal da eurídice? O meu pai conheceu o pai dele e disse sempre que aquilo não era boa gente. Andou por aí a tomar terras sem rei nem roque. E terras boas. 




- E a mão maior que a outra, Dona Paciência, já viu aquilo? É que é uma diferença grande, não sei se reparou


- Então não reparei. Parecia sei lá o quê...


Foi a oliveira que os ouviu, de manhã. 
O PROFESSOR DE PIANO 

Fui dizer bom dia à oliveira, saber se ainda se tinha no vaso e se estava melhor do ramo esquerdo, o mais pequenino e frágil, onde um melro de proporções épicas decidiu postar-se a debicar-lhe os insectos inquilinos

e dou com isto.
















- Quem é este senhor, oliveira?


- É o Artaxerxes. Veio ver o piano e ensinar-nos a tocar. Tens bolachas Maria, daquelas torradas? Diz que gosta muito e levou a noite toda a pedir-me bolachas Maria torradas. 


- Passou aqui a noite? Mas de onde veio o senhor Artaxerxes e como soube ele do piano? 


- Não sei, não lhe perguntei. Mas tem uma irmã em Marrocos e uma mão maior que a outra. Acho que é a direita que é maior que a esquerda. E o melro não voltou, parece que ele e o Artaxerxes já se conheciam, e abalou para o outro lado do muro. 


...


- Bom dia, minha senhora. Vamos ver esse piano?
- Chama-se Teodoro. Venha.