oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Friday, December 23, 2011

Já passou

da série músicas que a minha oliveira queria que durassem um bocadinho mais para arrumar melhor as memórias do quão perfeita a vida futura foi, em retrospectiva.


Sunday, November 20, 2011

tarde de 20 de novembro de 2011 (por eurídice)

Varri o quintal. Dois quilos de folhas secas e molhadas, amontoadas numa disposição inaudita e suspeita atrás dos vasos - direitinhas para o lixo. Depois, mangueirada. Forte. Tudo limpinho. Sem osso. Missão cumprida.

tarde de 20 novembro de 2011 (por Violeta)

Fui passar o dia a casa da prima Antónia, no quintal do 56. Quando voltei, não tinha casa. Ainda vi restos da poltrona de figueira (uma relíquia da minha mãe) entalados debaixo do vaso da Aurora. E mais nada. Desapareceu tudo. Tudo.

Monday, November 07, 2011

eurídice sitiada - 2º dia

- Queres que me mande para cima dela. Posso não a matar, mas se lhe acertar com o tronco, de saúde não fica!
- Deixa, Aurora. Ela há-de cansar-se. Além disso, partias-me a janela toda. E hoje em dia é tão difícil encontrar um vidraceiro que me faça uma janela destas em condições...
- A dona Paciência esteve de intrigas com ela, hoje, sabias?
- Com a Soraia?
- Sim.
- Uma conspiração? Na minha própria casa!? Essa mulher não tem remédio. Vai já recambiada para a prateleira da filosofia. Alemã!
- Não achas que estás a ser demasiado severa com a velhota?

Sunday, November 06, 2011

- Sei que é paranóia minha, mas ia jurar que aquela osga está a fazer-me uma espera. Desperta-me qualquer coisa que já não é só o costumeiro nojo ou o terror inusitado e desproporcional que tenho pelas criaturas da espécie.



- Não é paranóia nenhuma. Ela está mesmo à tua espera. À espera que saias ao quintal.
- Também é escusado gozares comigo dessa maneira. Sabes que me pelo de medo...
- Não estou a brincar, eurídice. Juro com estes dois (ramos) que a terra há-de comer, a rapariga está mesmo à tua espera. Não te lembras da dona Argentina? Claro que não te lembras, nunca te lembras de nada... Adiante. A dona Argentina é (era, paz à sua alma, deus a tenha em paz e sossego) a avó
- "deus a tenha em paz e sossego"?
- Não sejas chata. Cada um com a sua. E tu não tens poucas. Se fosse a ti, aproveitava agora para ficar caladinha. Queres saber ou não?
- Querer, querer, não quero. Mas também não queria ter uma osga colada à janela, e tenho. Claramente, a minha vontade neste quintal conta muito pouco.
- Não sejas fiteira e ouve lá o que tenho para te contar, que não te quero mal. A dona Argentina, dizia eu, é (era, paz à sua alma, deus a tenha em paz e sossego) a avó da Soraia, a osga que tens aí à janela. Não te lembrarás, claro, já vimos isso, mas a dona Argentina, que morreu há 10 anos em cima do telheiro, viveu 5 dos seus 15 anos sem uma perna e com um tique nervoso acentuado que a impedia de caminhar a direito. Nasceu, cresceu e (quase) morreu naquele que é considerado o pior momento da história das osgas deste quintal: a tua infância e pré-adolescência.
- Homessa, mas que fiz eu à desgraçada? Ai, espera... Não me digas que foi aquela que persegui até ao fundo do quintal de vassoura em riste, andava eu pelos meus 12 anos?
- Samente!
- "Samente"?
- Vai ao Youtube. Tem graça, por acaso.
- !?
- Mas sim, foi essa mesma. Conta-me a Soraia que a mãe lhe contou como a sua mãe, avó da Soraia, era doente dos nervos e, quando começaste a jogar basquete no quintal, foi a ruína da comunidade. A rede de basquete pendurada na parede foi o fim. Osgas de quintais vizinhos chegaram a achar que estavam 20 crianças neste quintal com 20 bolas cada uma.
- Não percebo como vem isso ao caso.
- Vem porque a dona Argentina foi parar ao muro proibido sem querer, coitadinha, já pouco lúcida e com o sentido de orientação arruinado pelas vibrações violentas das boladas que atiravas à parede. Uma vez no muro proibido, para além de gritares com os pulmões de um adulto e a intensidade de um infantário com 200 crianças à vista da Argentina (o que desorientou ainda mais a pobre), acertaste-lhe com a vassoura numa das pernas, que teve de ser amputada pela Violeta.
- (engulo em seco)
- A Soraia tem maus fígados, isso está visto. A Violeta tentou explicar-lhe que eras catraia, que não sabias distinguir as coisas, mas a outra, nada. Nunca chegou a conhecer a avó e a mãe, com o desgosto, emigrou para o quintal do 38 logo depois. Nasceu lá, sem família, sem amigos, com uma mãe aterrada e chorosa dia e noite. Agora voltou e quer vingança.
- Vingança? E como pretende uma osga de 7 centímetros vingar-se de uma mulher adulta? Vai engolir-me?
- Ela diz que sabe bem o que fazer.

Friday, October 28, 2011

O desgraçado do moscardo - licenciado em Psicologia por um reputado politécnico - não sabia ao que ia quando decidiu analisar a minha oliveira.

De que tem medo?
De ficar sem água

Então tem medo da morte, será isso?
Não. Tenho medo de ficar sem água.

O que acha que lhe acontece se ficar sem água?
Fico com sede.

Não morre?
Não. Fico com sede. Que obsessão é essa que tem com a morte?

Não é obsessão nenhuma, estava só...
O senhor Moscardo...

Por favor, trate-me por doutor Abílio Pisca. 
(oliveira revira os ramos de cima, aqueles que já passam o telheiro)
O doutor Abílio Pisca tem medo de morrer, é?

Não, oiça, não está a perceber. É um assunto importante.
Importante é ter água. Já alguma vez teve sede? Muita sede?

Sim, claro.
E agradou-lhe, a sensação?

Evidentemente que não.
E já alguma vez morreu?

Que pergunta... É óbvio que não!
Então não percebo o seu problema.



Monday, October 24, 2011

da série perdidos da gaveta, livro III do apocalipse mariapiense, epístola às oliveiras vindouras

A minha casa não é minha. O meu bisavô viveu aqui com os três filhos e a mulher. Os filhos casaram-se, ele morreu. A minha bisavó viveu mais uns anos. E viveu aqui com o filho (o meu avô) a mulher dele (a minha avó) o filho deles (o meu pai). O meu avô morreu. A minha bisavó morreu. O meu pai casou-se - com a minha mãe, naturalmente - e veio para cá. Eu nasci, a minha avó morreu. Os meus pais mudaram-se. Fiquei eu. Esta casa não é minha, porque eu só vivo aqui, consciente da minha enferma insignificância para estas paredes que viram anjos e demónios, amor e ódio, doença e morte e vida. E osgas. Muitas osgas. Nem todas sobreviveram, sobretudo as que foram avistadas pela minha mãe.

Se a cómoda que está no meu quarto, a mesma que esteve no quarto da minha bisavó, da minha avó e da minha mãe, decidisse um dia falar comigo, talvez me contasse o que se passou no dia em que os meus tios-avôs, uma tríade de maduros lisboetas, foi para o torel por insultar um polícia. A história faz do meu bisavô um colosso, que com uma bofetada bem aplicada na cara de um, mandou os outros dois ao chão. Ou de quando o Anjinho caiu do 2º andar, pelo vão das escadas, e aterrou de pé no rés-do-chão, incólume. Imagino o tabefe de nervos preso na palma da mão da dona Emília... 

Esta casa guarda tudo o que sou, o que não fui e o que poderia ter sido; sabe coisas que eu não sei, coisas que eu gostaria de saber e outras tantas que preferia que não soubesse, mas alguém tinha de ser cúmplice. 

Esta casa é de muita gente antes de mim e assim continuará até que de mim seja gerada outra pessoa. Quando isso acontecer, de novo pintarei as paredes, mudarei os móveis de sítio, dormirei noutro quarto, para que nenhum dos segredos seja revelado antes de tempo. Para que os meus bisavós, os meus avós, os meus pais e eu permaneçamos. E para que nenhuma osga fique sem tecto.

Friday, September 16, 2011

ABECEDÁRIO DE UMA OLIVEIRA COM SEDE

A Violeta diz-me que sa
B e que a eurídi
C e, um
D ia, vai voltar ao quintal. Diz que volta s
E mpre, que não
F az por mal quando se tranca em casa, que são amar
G uras passageiras de uma
H ipocondríaca melancól
I ca reincidente, que
J á o anjinho era assim, que não há nada a fazer. Fico sempre ca
L ada, sem saber o que dizer. Não sei do que fala. Eu não tenho a
M arguras. Te
N ho raízes, terra, um prat
O para a água e uma janela
P ara o interior. O que sei é
Q ue não me
R ega há
S emanas e que tenho sede e calor e frio e que
T enho de aprender a ir sozinha do q
U intal à estante da sala, que isto de não ter li
V ros para ler é pior que viver numa cai
X a de cartão sem buraquinhos por onde entrar lu
Z .

Thursday, August 25, 2011

Da série Dramas da vida real e casos da vida, tardes da júlia e senhoras que possuem santinhas que choram, utilizam óculos e auferem pensões de miséria - caderno II
também conhecido como
Procrastina, valente - volume LXXVIII


A minha oliveira anunciou há dias o fim da sua não-tão-longa-quanto-isso amizade com a dona Joanilde, a amiga imaginária, escriturária reformada com dois filhos, um que já acabou a faculdade e é director (?!) e outra que é linda como o Sol, casa para o ano.
Não fosse este o segundo comunicado do género nos últimos meses (antes da dona Joanilde tinha sido o senhor Adérito, dono de uma loja de ferragens que escrevia poemas do Ultramar e tinha a mulher na retraite), nem me perguntaria (tão pouco a ela)  razão de tanta desamizade.
Achei por bem tentar ir ao fundo da questão, não fosse a minha oliveira estar a transformar-se num criatura anti-social, abespinhada, solitária (teria a quem sair, coitadinha) e perguntar-lhe, enfim, qual o problema dos amigos imaginários que tem tido, para não querer continuar a ser amiga deles.

- Não consigo acreditar neles.

Wednesday, August 24, 2011

da série estes estavam na gaveta desde a última vez que procrastinei

Os versos que se seguem são de uma finura ímpar. Nunca o estilo rasteirinho esteve tão bem representado e é uma pena, indeed, a censura das primeiras e últimas quadras. Noblesse oblige. Sim, que parecendo que não, ainda há aqui alguma dignidade. Pequenina, mas há.

(...)

Mas veja o leitor ainda
a tristeza maior e intestinal
de receber um email, ó linda,
e não ter como imprimir o original.
De bradar aos céus,
a desonraria que seria,
ter lido o esteiros e o gaibéus
e viver ao pé da mercearia
Não!, que a gente aqui é mais bolos
e não suporta comunistas.
Essa gente que escreve desconsolos
Não os querem os retalhistas!
Até porque, e temos de lhes dar razão,
A esses temos de dar para trás!
“Não se pode abrir as pernas a qualquer rapagão”
Já bem o pregava frei Tomás...
É um mundo muito complicado,
este da edição,
ter de gerir um ego beliscado
pelo punho viscoso da revisão. 
Mas a nossa história 
começa muito antes disto,
no tempo da científica arte divinatória
Quando o dito era o anti-cristo
Publicava Marx, Engels e Nietsczhe
resgatando as massas ao analfabetismo
Dizia-se mesmo que fumava haxixe,
Até ao dia em que chegou o capitalismo.
(...) 

continua, sim, mas o servidor não aguentaria nunca tamanha magnificência literária. 
Homero, Virgílio, Dante, ajoelhai-vos perante a grandeza, o génio, o sol lui-même. Camões vive!, sob a forma de uma oliveira, no meu quintal. Pelo sim pelo não, deixámos de comer vaca aqui no quintal, não vá Vishnu tecê-las e a Aurora encarnar o Raúl Solnado. 

adolescência

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. (M. de Assis in Memórias Póstumas de Brás Cubas)


- Mas se nem gente és, oliveira... 
- Dizes tu. Se não sou gente, que sou eu?
- Uma árvore. Uma oliveira.
- E desde quando falam as árvores?


(...)


- Traz-me lá o emplastro* e vai-te deitar que amanhã trabalhas. 




*o comando da televisão

Tuesday, February 01, 2011

DO MEDO DO ATAVISMO MAIS QUE CERTO DAS CLASSES LITERATAS
(sim, é mais um post sobre academismo)


Da série Títulos Que Ficaram Para Trás


1. A METAFÍSICA DO LUPANANR
Que é como quem diz, “em Portugal sempre se confundiu humanidade com vulgaridade”
Ou ainda
Ai meu deus, ajuda-me, que não somos nada, ou se calhar até somos, mas não é importante e vamos todos morrer à mesma. E eu não quero morrer assim.

2. DO LUPANAR A UTOPIA
percursos do Cristo-Menino do Romantismo ao Modernismo

3. DA METAFÍSICA DO LUPANAR AO ASCETISMO DA CRIANÇA RANHOSA
um estudo sobre dialéctica

4. LEVANTAS-ME A SAIA OUTRA VEZ E EU PARTO-TE A CARA À ESTALADA
uma análise da sexualidade de Pessoa aplicada ao Cristo-Menino (da perspectiva histórica e antropológica das raparigas das bilhas)

5. DA NOSSA SENHORA À LONGCHAMP
para uma história das malas

6.  DA SÍFILIS NO CÉU AO BICHO DA ESCRITA NA TERRA
uma antologia de tragédias

Sunday, January 23, 2011

ODE AO TRABALHO ACADÉMICO
(em verso livre, que não sei rimar)

A página em branco
essa
meretriz de cândida alvura que nos impele
a nós,
discípulos da bem-aventurança literária,
a olvidarmos qualquer réstia
de humanidade em nós contida,
na barriga ou nas falangetas,
e nos transforma em reais,
verdadeiras,
prostitutas da densidade académica de citação.

Lupanar da metafísica
és tu,
real sociedade
de literatos literandos.

da série
Hoje está frio e eu não nasci para isto
volume I de "EXCURSOS OLIVEIRENSES SOBRE  A VIDA NO QUINTAL"
por oliveira da eurídice

Friday, January 21, 2011

DA AUSÊNCIA, que se faz tarde

Sim, temos andado arredias, eu e a eurídice.
Tal facto se deve a um importante trabalho em curso, do qual venho aqui dar conhecimento.

Trata-se de uma espécie de análise comparativa (ó, deuses no alto qualquer coiso, a ignomínia do passadismo!) entre Caeiro e Guerra Junqueiro - a rima não será acaso, acredito.

Não queria deixar de anunciar que habemus titulum, enfim, e que é de primeira água. É, inclusive, de esperar não mais precisar de escrever depois deste épico académico, pois nada mais ficará por dizer sobre nada neste mundo.


A METAFÍSICA DO LUPANAR
Que é como quem diz, “em Portugal sempre se confundiu humanidade com vulgaridade”
Ou ainda
Ai meu deus, ajuda-me, que não somos nada, ou se calhar até somos, mas não é importante e vamos todos morrer à mesma. E eu não quero morrer assim.

Um ensaio de Eurídice Gomes



Espero, depois disto:

- dispensa da apresentação de tese

- convite para leccionar a cadeira "Estudos literários - Esse Absurdo Em que Insistis, Ó Bisonhas Criancinhas, Formar-vos Por Não Saberdes Matemática"

- a imortalidade, por ser uma árvore e o Caeiro diz que isto anda tudo ligado e que a Natureza é tudo e fala em árvores e vê muitas, ao que parece, e insinua que as mesmas serão imortais.